CARLOS PENA FILHO

Carlos Pena era um poeta comprometido com as obrigações de seu tempo. Compromissado com as agruras de sua gente. Vestido de deveres para com seu povo.

Esse compromisso com o real enriqueceu sua poesia. Tornou-a cativa da ecologia, solidária com a pobreza, aliada dos vulneráveis da seca. Uma poesia social. Antecipadora. Anunciadora. Socialmente amarrada ao estatuto do belo e do justo. Com cordões de transcendente musicalidade.

Vejo na poesia social de Carlos quatro dimensões.

A primeira dimensão é que se trata de uma poesia cromática. O poeta das cores, do azul. Da sensibilidade da cor. Gilberto Freyre anotou que, conforme contagem de Renato Carneiro Campos, Carlos usou quarenta vezes a palavra azul em seus versos.
Carlos escrevia versos como quem pintasse aquarelas. Coloridas. Ele, como disse Renato Carneiro Campos, “deixou que o verde dos mares e dos canaviais, os cinzentos das caatingas sertanejas e o azul do céu nordestino entranhassem em seus versos”.

Nessa altura, Renato compara a poesia de Carlos com a poética de Mallarmé. Segundo ele, o azul, em ambos, parecia guardar um segredo místico. Não há equívoco. Leia-se este trecho do Soneto da Sexta Feira da Paixão:

“O corpo morto; azul melancolia

Do mesmo azul perdido pelos ares

Vivo azul sobre os campos, sobre os mares,

Sobre a clara manhã e a hora tardia”.

O lado pictórico da poesia de Carlos compreende tanto o azul quanto o cinzento. É abrangente. É liricamente vibrante. E é socialmente estabelecido. Em perfeito equilíbrio. Entre emoção e razão. A amorosidade sem dispensar a racionalidade. E a racionalidade reforçando o poeta-cidadão.

A segunda dimensão é a de envergado regionalismo. Carlos Pena transportou, na sua obra, esperada transcendência nordestina. E fundo apego pernambucano. Viajou agrestes e sertões. Visitou morros e planícies. Mediu palmeiras e orou em igrejas olindenses. Caminhou sobre pedras seculares em Igarassu.
O regionalismo da poesia de Carlos não tem nada de provinciano. Não se apequenou na vista menor. Seu regionalismo é universal. Porque, antes de ver a parte, olhou o todo. Enxergou o que vem de fora. É uma poesia que incorpora. Que soma. Assimila o estrangeiro. Em Carlos, o regional é adição.

Como neste trecho das Memórias do Boi Serapião:
“Às vezes, entre iguarias,

Um comentário isolado:

A crônica triste e curta

De um engenho assassinado.
Mas, logo à mesa voltavam

Que a fome bem pouco espera

E os seus olhos descansavam

Em porcelanas da China

E cristais da Baviera”.
Mesmo aberto ao que acontecia no mundo exterior, Carlos permaneceu fiel ao protocolo regionalista. Sobretudo na parte antropológica defendida por Gilberto Freyre. Que via no homem tropical um projeto viável de civilização.
A terceira dimensão da poesia de Carlos é o lirismo. A poesia de Carlos Pena é lírica. Tem fundamentos românticos. Aproxima-se do recorte sofrido de Vinicius de Morais.
Mas vai além da dor de cotovelo. Porque alcança a geologia do sentir para incorporar nuances da paisagem tropical que sempre o fascinou. Como neste trecho de Soneto, dedicado a Maria Tânia:
“Por seres bela e azul é que te oferto

A serena lembrança desta tarde:

Tudo em torno de mim vestiu um ar de

Quem não te tem mas te deseja perto”.

Mas, o lirismo em Carlos Pena tem também um aspecto musical. Ele foi letrista. Em parceria com Capiba. Ou seja, a veia lírica do poeta atravessou territórios: percorreu a poesia e estacionou na música. Descansou da música e voltou à poesia. Com igual qualidade.
A parceria entre Carlos e Capiba rendeu quase uma dezena de sambas. Entre eles, A mesma rosa amarela.

Esta foi a música de maior êxito assinada por eles. Interpretada nacionalmente por Maysa, Nelson Gonçalves, Vanja Orico e Tito Madi.

A contracapa do disco que continha músicas da dupla era assinada por Ariano Suassuna. Uma edição da fábrica de discos pernambucana, Mocambo, de José Rozenblit. No último encontro entre o poeta e o teatrólogo, Ariano disse a Carlos: “Tenho inveja de você, Carlos, a boa inveja, sem maldade, tocada de admiração, por não ter sabido escrever A mesma rosa amarela”.
A quarta dimensão da poesia de Carlos é a percepção do poeta sobre a provisoriedade das coisas. Talvez ele, na rara sensibilidade com que reconhecia o mundo, pressentisse a brevidade da vida. Foi intuitivo nessa descoberta. Como todo poeta. Antecipou o saber. Sem recusar o sabor.

Como neste trecho de A solidão e sua porta:
“Lembra-te que afinal te resta a vida

Com tudo que é insolvente e provisório

E de que ainda tens uma saída:

Entrar no acaso e amar o transitório”.
Há, finalmente, um tom social na obra de Carlos Pena. Ele tinha o olhar penetrante do observador partícipe. Comprometido. Apalavrado com a circunstância limitada da pobreza recifense. Não se esquivou de consagrar o verso solidário.

Como nesses versos do Guia prático da cidade do Recife:
“Mas nos domingos mais claros, as tecelãs se transformam, em puras rosas de sal, e oferecem seus braços, à curva do litoral. Nem se lembram mais do mangue, podre, virgem, vegetal, onde os homens são sem sonhos, como qualquer mineral”.

Carlos Pena era um poeta comprometido com as obrigações de seu tempo. Compromissado com as agruras de sua gente. Vestido de deveres para com seu povo.

Esse compromisso com o real enriqueceu sua poesia. Tornou-a cativa da ecologia, solidária com a pobreza, aliada dos vulneráveis da seca. Uma poesia social. Antecipadora. Anunciadora. Socialmente amarrada ao estatuto do belo e do justo. Com cordões de transcendente musicalidade.

Vejo na poesia social de Carlos quatro dimensões.

A primeira dimensão é que se trata de uma poesia cromática. O poeta das cores, do azul. Da sensibilidade da cor. Gilberto Freyre anotou que, conforme contagem de Renato Carneiro Campos, Carlos usou quarenta vezes a palavra azul em seus versos.
Carlos escrevia versos como quem pintasse aquarelas. Coloridas. Ele, como disse Renato Carneiro Campos, “deixou que o verde dos mares e dos canaviais, os cinzentos das caatingas sertanejas e o azul do céu nordestino entranhassem em seus versos”.

Nessa altura, Renato compara a poesia de Carlos com a poética de Mallarmé. Segundo ele, o azul, em ambos, parecia guardar um segredo místico. Não há equívoco. Leia-se este trecho do Soneto da Sexta Feira da Paixão:

“O corpo morto; azul melancolia

Do mesmo azul perdido pelos ares

Vivo azul sobre os campos, sobre os mares,

Sobre a clara manhã e a hora tardia”.

O lado pictórico da poesia de Carlos compreende tanto o azul quanto o cinzento. É abrangente. É liricamente vibrante. E é socialmente estabelecido. Em perfeito equilíbrio. Entre emoção e razão. A amorosidade sem dispensar a racionalidade. E a racionalidade reforçando o poeta-cidadão.

A segunda dimensão é a de envergado regionalismo. Carlos Pena transportou, na sua obra, esperada transcendência nordestina. E fundo apego pernambucano. Viajou agrestes e sertões. Visitou morros e planícies. Mediu palmeiras e orou em igrejas olindenses. Caminhou sobre pedras seculares em Igarassu.
O regionalismo da poesia de Carlos não tem nada de provinciano. Não se apequenou na vista menor. Seu regionalismo é universal. Porque, antes de ver a parte, olhou o todo. Enxergou o que vem de fora. É uma poesia que incorpora. Que soma. Assimila o estrangeiro. Em Carlos, o regional é adição.

Como neste trecho das Memórias do Boi Serapião:
“Às vezes, entre iguarias,

Um comentário isolado:

A crônica triste e curta

De um engenho assassinado.
Mas, logo à mesa voltavam

Que a fome bem pouco espera

E os seus olhos descansavam

Em porcelanas da China

E cristais da Baviera”.
Mesmo aberto ao que acontecia no mundo exterior, Carlos permaneceu fiel ao protocolo regionalista. Sobretudo na parte antropológica defendida por Gilberto Freyre. Que via no homem tropical um projeto viável de civilização.
A terceira dimensão da poesia de Carlos é o lirismo. A poesia de Carlos Pena é lírica. Tem fundamentos românticos. Aproxima-se do recorte sofrido de Vinicius de Morais.
Mas vai além da dor de cotovelo. Porque alcança a geologia do sentir para incorporar nuances da paisagem tropical que sempre o fascinou. Como neste trecho de Soneto, dedicado a Maria Tânia:
“Por seres bela e azul é que te oferto

A serena lembrança desta tarde:

Tudo em torno de mim vestiu um ar de

Quem não te tem mas te deseja perto”.

Mas, o lirismo em Carlos Pena tem também um aspecto musical. Ele foi letrista. Em parceria com Capiba. Ou seja, a veia lírica do poeta atravessou territórios: percorreu a poesia e estacionou na música. Descansou da música e voltou à poesia. Com igual qualidade.
A parceria entre Carlos e Capiba rendeu quase uma dezena de sambas. Entre eles, A mesma rosa amarela.

Esta foi a música de maior êxito assinada por eles. Interpretada nacionalmente por Maysa, Nelson Gonçalves, Vanja Orico e Tito Madi.

A contracapa do disco que continha músicas da dupla era assinada por Ariano Suassuna. Uma edição da fábrica de discos pernambucana, Mocambo, de José Rozenblit. No último encontro entre o poeta e o teatrólogo, Ariano disse a Carlos: “Tenho inveja de você, Carlos, a boa inveja, sem maldade, tocada de admiração, por não ter sabido escrever A mesma rosa amarela”.
A quarta dimensão da poesia de Carlos é a percepção do poeta sobre a provisoriedade das coisas. Talvez ele, na rara sensibilidade com que reconhecia o mundo, pressentisse a brevidade da vida. Foi intuitivo nessa descoberta. Como todo poeta. Antecipou o saber. Sem recusar o sabor.

Como neste trecho de A solidão e sua porta:
“Lembra-te que afinal te resta a vida

Com tudo que é insolvente e provisório

E de que ainda tens uma saída:

Entrar no acaso e amar o transitório”.
Há, finalmente, um tom social na obra de Carlos Pena. Ele tinha o olhar penetrante do observador partícipe. Comprometido. Apalavrado com a circunstância limitada da pobreza recifense. Não se esquivou de consagrar o verso solidário.

Como nesses versos do Guia prático da cidade do Recife:
“Mas nos domingos mais claros, as tecelãs se transformam, em puras rosas de sal, e oferecem seus braços, à curva do litoral. Nem se lembram mais do mangue, podre, virgem, vegetal, onde os homens são sem sonhos, como qualquer mineral”.

Escrito por Luiz Cavalcanti

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