ABREU E LIMA: BERÇO DAS DIRETAS JÁ

Desconhecido por muitos, aconteceu em Abreu e Lima, Pernambuco, um fato histórico pioneiro e de extrema coragem cívica. Ali, na antiga Praça da Bandeira, discreto logradouro da zona urbana do município, em 31 de março de 1983, enquanto militares desfilavam pela cidade, um grupo de 4 (quatro) vereadores e um suplente reuniu-se para realizar aquele que ficaria conhecido como o primeiro ato público a favor do restabelecimento das eleições diretas para presidente do Brasil. Exatamente isso: a semente do movimento das “Diretas Já”! Quando a força virulenta da ditadura ainda vigia neste país, José da Silva Brito, Antônio Amaro (ambos in memorian), Severino Farias, Reginaldo Silva e Aguinaldo Fenelon organizaram um comício, discursando para cerca de 100 (cem) pessoas, em cima de um caminhão, para pedir a volta das eleições diretas e democráticas para presidente da República. O ato foi pequeno, mas foi uma faísca. Naqueles dias, o senador Teotônio Vilela, conhecido como o “Menestrel das Alagoas”, fez um pronunciamento no Canal Livre, conclamando a população a apoiar a campanha. Era questão de tempo o movimento incendiar o país. Nos meses subsequentes, seguiram-se manifestações em Goiânia, Curitiba, Teresina, São Paulo e Ponta Grossa. No ano posterior, a campanha ganhou ainda mais força, reunindo um milhão de pessoas no Rio de Janeiro. Em São Paulo, no dia 16 de abril, participaram 1,5 milhão de brasileiros, no Vale do Anhangabaú, evento considerado a maior manifestação popular da história do Brasil. Infelizmente, a Emenda Dante de Oliveira, que propunha as eleições diretas, foi rejeitada por uma diferença de apenas 22 votos. Todavia, o calor da campanha deu força à eleição de Tancredo Neves no colégio eleitoral, pondo fim ao ciclo de 21 anos de autoritarismo. Uma observação interessante: diferentemente da proclamação da República, o “Diretas Já” foi um movimento político que contou com efetiva participação popular, envolvendo uma parcela numericamente muito expressiva e plural da sociedade brasileira, das mais variadas vertentes políticas. A pequena Abreu e Lima, que ostenta o nome de um herói latino-americano, foi uma parte importante dessa história. 1Promotor de Justiça e sócio efetivo do IAHGP. Nessa senda, em alusão à passagem dos 41 (quarenta e um) anos do fato histórico, o município tomou duas atitudes importantes: o Poder Executivo local reformou a praça que serviu de palco para o ato de 1983 e a Câmara de Vereadores aprovou a Lei n.º 1.253/2023, dando ao logradouro o nome de “Praça da Democracia”. Em 2023, a Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco já havia aprovado um projeto de lei ordinária, alterando a Lei n.º 16.241/2017, para estabelecer que o dia 31 de março, em razão do ato pioneiro de Abreu e Lima, é o “Dia Estadual das Diretas Já”, na esteira do importante ato cívico que realizamos no Memorial da Democracia quando da passagem dos 40 (quarenta) anos do fato histórico, em 31.03.2023. No próximo dia 1.º de abril, às 10h, será a inauguração da Praça da Democracia. Além do próprio município, outras 20 (vinte) instituições participarão do ato. O Ministério Público de Pernambuco, instituição da qual este subscritor faz parte, é uma das entidades que integrará o ato, razão pela qual nós aproveitamos esta oportunidade para convidar a todos para participar desta importante festa cívica. Esperamos, sinceramente, que o resgate daquele espaço físico deixe um legado importante para as gerações futuras no sentido de que conheçam o fato histórico e lutem pela preservação do Estado Democrático de Direito. Definitivamente, está mais do que na hora de nós resinificarmos a data 31 de março: que ela deixe de ser associada ao autoritarismo e à violência, passando a ser sinônimo de democracia e liberdade.

Salve Abreu e Lima. Salve o Estado Democrático de Direito.

Texto – José da Costa Soares – Promotor de Justiça do Ministério Público de Pernambuco

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